Quando o Web3 encontra o d/acc: O que o Crypto pode fazer na era da aceleração tecnológica?

Se você acompanhou a recente conferência Devconnect realizada na Argentina, pode ter notado um sinal intrigante:

Entre as muitas agendas técnicas sobre Rollup, EIP e abstração de contas, talvez o mais marcante não tenha sido uma atualização de protocolo específica, mas sim um tema reservado para um dia inteiro — o d/acc day.

d/acc, essa sigla que parece um símbolo de código, na verdade é um novo conceito fortemente defendido por Vitalik Buterin desde 2023. Neste artigo, vamos explorar a fundo a linha de pensamento do d/acc e como o Ethereum está acelerando a reconstrução de sua narrativa fundamental com base nisso. 

1. Partindo do e/acc, o que é d/acc?

Para entender o d/acc, precisamos primeiro compreender o contexto histórico que ele reflete: a corrida desenfreada do e/acc (Aceleração Efetiva).

Se você acompanha as tendências do Vale do Silício, talvez já tenha ouvido falar do e/acc, ou até tenha uma forte impressão da onda de sufixos “e/acc” que tomou conta das redes sociais em 2023: 

Na época, grandes nomes do empreendedorismo e investimento em tecnologia, como Marc Andreessen, fundador da a16z, e Garry Tan, CEO da YC, adotaram o termo como sufixo em seus perfis sociais.

Como abreviação de “Effective Accelerationism” (Aceleração Efetiva), em sua definição padrão, o e/acc é uma filosofia que integra teorias biológicas, físicas, econômicas e sociais, enfatizando adaptação, evolução, inteligência e aceleração como princípios universais do universo.

De forma simples, “e/acc” enfatiza a supremacia da tecnologia, exaltando a inovação tecnológica como motor de transformação social, quase como um credo de entusiastas extremos da tecnologia — defende acelerar o desenvolvimento tecnológico a qualquer custo, acreditando que o mercado e a própria tecnologia resolverão todos os problemas.

Por isso, chegou a ser visto como uma utopia tecnológica, até que a onda de IA desencadeada pelo ChatGPT no final de 2022 deu esperança concreta aos adeptos do e/acc, explicando o enorme impacto do conceito em 2023. 

No entanto, essa corrida unilateral pela supremacia tecnológica, diante da IA se aproximando do ponto de singularidade, dos riscos crescentes da biotecnologia e do aumento do poder centralizado, deixou muita gente inquieta.

Foi nesse contexto que Vitalik propôs um caminho mais “reformista”: d/acc, uma visão de desenvolvimento tecnológico com prioridade para a defesa.

Em 27 de novembro de 2023, ele publicou o artigo “My techno-optimism” (Meu otimismo tecnológico), apresentando uma reflexão cautelosa sobre a aceleração tecnológica.

Aqui, o “d” representa não apenas Defense (Defesa), mas também Decentralization (Descentralização) e Democracy (Democracia). Não se trata de frear, mas de acelerar em outra direção — acelerar tecnologias que nos tornem mais seguros, autônomos e resilientes a riscos sistêmicos.

Curiosamente, um ano após esse artigo, em janeiro de 2025, ele publicou “d/acc: one year later”, aprofundando sua reflexão sobre d/acc e propondo um modelo central de visão de mundo: Vantagem de Defesa (Defense-Dominant) vs Vantagem de Ataque (Offense-Dominant).

A lógica central é que “os momentos mais sombrios da história da humanidade geralmente ocorrem quando a vantagem de ataque supera significativamente a de defesa”:

• Quando criar vírus é mais fácil do que desenvolver vacinas;
• Quando lançar ataques cibernéticos é mais barato do que corrigir falhas;
• Quando uma IA centralizada pode facilmente gerar deepfakes em massa e as pessoas comuns não conseguem distinguir o real do falso. 

Nesses momentos, a sociedade humana fica sistemicamente vulnerável.

Atualmente, a árvore tecnológica está inclinada para a “vantagem de ataque” — grandes empresas de tecnologia monopolizam o poder computacional da IA, instituições centralizadas detêm o domínio dos dados. Assim, segundo a lógica do d/acc, se continuarmos acelerando cegamente, podemos criar um mundo distópico extremamente eficiente, mas também extremamente frágil e centralizado.

Portanto, a principal proposta do d/acc é que precisamos, conscientemente, intervir tecnologicamente para reverter esse quadro, fazendo com que a defesa volte a superar o ataque no desenvolvimento tecnológico.

2. Por que o d/acc surgiu no Web3?

Sem rodeios, embora o e/acc (Aceleração Efetiva) seja amplamente celebrado no Vale do Silício, ele é, na essência, uma forma de capitalismo tecnológico com forte viés elitista: não se importa com quem fica para trás, apenas com o aumento da eficiência geral.

Para Vitalik, embora nos últimos dez anos a narrativa tecnológica global tenha girado em torno da “aceleração”, no contexto de IA, cripto, energia e competição nacional simultaneamente intensificados, o simples “aceleracionismo” já não responde a uma questão fundamental: 

Para onde estamos acelerando? Para quem aceleramos? Qual é o custo?

O surgimento do d/acc oferece justamente um ajuste de direção, mudando o foco do elitismo para a “democracia” em sentido amplo — preocupa-se com a inclusão, busca acelerar de forma seletiva e, especialmente, não defende acelerar cegamente inovações explosivas que envolvem riscos acumulados, concentração de poder e lacunas regulatórias. 

Isso faz com que o d/acc esteja naturalmente ligado ao futuro do Web3. Afinal, o valor central do Web3 nunca foi apenas ser um “computador global mais rápido”, mas sim transferir poder, riqueza, identidade e controle dos sistemas centralizados de volta para os usuários.

Na verdade, olhando para as principais linhas de desenvolvimento do Ethereum, podemos ver claramente sua profunda ressonância com o d/acc:

• Descentralização deve ser acelerada: garantir o número de nós e a resistência à censura do L1/L2;
• Soberania do usuário deve ser acelerada: promover a abstração de contas (AA), popularizando funções defensivas como recuperação social e pagamento de Gas;
• Resiliência do sistema deve ser acelerada: implementar tecnologias como ZK-SNARKs para proteger contra vazamento de privacidade e vigilância;

É por isso que o d/acc se tornou a narrativa central da comunidade Ethereum, pois a tecnologia blockchain é, essencialmente, uma das mais poderosas tecnologias defensivas já inventadas pela humanidade.

Em resumo, o futuro da supremacia tecnológica não é apenas sobre velocidade, mas sobre acelerar continuamente na direção certa e segura: acelerar a descentralização, acelerar a defesa individual, acelerar a resiliência do sistema — essa é a nova missão que o d/acc confere ao Web3 e ao mundo cripto. 

3. IA e Web3: Construindo o aceleracionismo defensivo da civilização futura

Sempre acreditei que IA e Web3/Crypto são um espelho entre “forças produtivas e relações de produção” da nova era.

Se a IA é uma poderosa “lança” (aumentando a produtividade, mas também podendo ser usada para o mal), o Crypto é um “escudo” robusto e, sob a ótica do d/acc, esse escudo defende principalmente contra três tipos de ameaças.

Primeiro, defesa contra o “abuso de poder”.

No mundo Web2, sua identidade e ativos digitais não pertencem a você, mas são “alugados” das big techs; a plataforma pode banir sua conta a qualquer momento, o banco pode congelar seus fundos. O blockchain, por meio da criptografia, constrói uma barreira matemática de defesa: com sua chave privada, nenhum poder centralizado pode tomar seus ativos. 

Esse é o mecanismo de defesa supremo, protegendo o direito de sobrevivência do indivíduo na era digital.

Segundo, defesa contra a “falsificação da verdade”.

Com a explosão do AIGC, a internet está repleta de informações falsas. No futuro, talvez não consigamos distinguir se quem está do outro lado da tela é humano ou IA, se um vídeo é real ou gerado por algoritmo. 

Nesse sentido, a verificação comunitária on-chain e o sistema de assinatura de chave pública fornecem um “ponto de confiança” para a informação. Podemos usar assinaturas criptográficas para verificar a origem das informações e o consenso descentralizado para nos defender contra a enxurrada de fake news.

Por fim, defesa contra a “invasão de privacidade”.

No mundo dos big data, como os dados precisam ser verificados para serem usados, somos obrigados a nos expor. O ZK-SNARKs (prova de conhecimento zero), fortemente defendido pelo d/acc, é o auge das tecnologias defensivas.

Ele permite provar fatos sem revelar informações privadas (por exemplo: provar que tenho dinheiro suficiente para pagar sem revelar o saldo), protegendo a privacidade e eliminando, matematicamente, a necessidade do “Big Brother”.

No fim das contas, o d/acc não é um conservadorismo passivo; pelo contrário, exige inovação tecnológica de altíssimo nível:

• Precisamos de redes de blockchain públicas mais rápidas para suportar uma rede financeira defensiva em escala global;
• Precisamos de abstração de contas mais fácil de usar, tornando ferramentas defensivas acessíveis além dos geeks;
• Precisamos de criptografia resistente à computação quântica para nos proteger contra ataques de força bruta no futuro.

Portanto, o d/acc day na Devconnect não foi apenas uma discussão técnica, mas também um lembrete de que a tecnologia em si não é boa ou má, mas a direção do seu desenvolvimento importa.

Nesta era de incertezas e aceleração desenfreada, “mais seguro” é, em si, o mais avançado.