Aos 31 anos, foi demitido do Twitter, empresa que ele mesmo fundou; 14 anos depois, retorna com a fé no bitcoin para construir um império de trilhões.

A sala de reuniões estava em silêncio. Em outubro de 2008, Jack Dorsey olhou ao redor da mesa, encarando os membros do conselho do Twitter, tentando encontrar um aliado, mas não havia nenhum.

Evan Williams evitava contato visual com ele. Os investidores de risco falavam com cautela sobre “desafios operacionais” e “problemas de gestão”.

A plataforma caía frequentemente. Funcionários reclamavam que ele saía cedo para ir à aula de ioga. O conselho havia perdido a confiança nele.

Fred Wilson anunciou a decisão: eles queriam uma nova liderança. Williams assumiria como CEO. Dorsey poderia continuar como presidente do conselho, mas seu controle diário sobre o Twitter havia terminado.

Ele não discutiu. Aos 31 anos, nunca havia gerenciado uma empresa daquele porte, e a pressão era sufocante. Mas ao sair do prédio que abrigava sua criação, sentiu uma pontada. A plataforma nasceu de sua obsessão adolescente por sistemas de despacho de comunicação. Agora, esse sonho pertencia a outra pessoa.

Ser demitido da própria empresa ensinou-lhe lições que a escola de negócios jamais abordaria. Para Dorsey, aquilo era apenas o começo.

Conseguindo um emprego através do hacking

Jack Patrick Dorsey cresceu em uma família católica da classe trabalhadora no Missouri. Seu pai fabricava espectrômetros de massa, e sua mãe administrava uma cafeteria. Quando criança, Dorsey tinha um distúrbio de fala e passava muito tempo em casa, onde teve contato com computadores e sistemas de comunicação.

Dorsey escreveu softwares de despacho. Empresas de táxi reais usavam seu código para coordenar suas frotas, resolvendo problemas práticos de negócios.

Sua obsessão não era por acaso. Dorsey já havia percebido o enorme impacto de atualizações curtas e frequentes na coordenação de sistemas complexos. Despachantes de emergência não perdem tempo, pois a clareza pode salvar vidas. E se a mesma eficiência pudesse melhorar a comunicação cotidiana?

No ensino médio Bishop DuBourg, ele trabalhou como modelo de moda. Depois das aulas, invadia sistemas, não para causar danos, mas para entender como funcionavam.

Um hack que mudou sua vida aconteceu aos 16 anos. A Dispatch Management Services criou um site, mas não listou informações de contato. Quando Dorsey encontrou uma vulnerabilidade de segurança, não a explorou; enviou um e-mail ao presidente da empresa, explicando o problema e como corrigi-lo.

Dorsey aproveitou a oportunidade para iniciar um diálogo.

O presidente, Greg Kidd, decidiu contratá-lo em uma semana. Um adolescente do Missouri agora trabalhava para uma empresa de logística em Manhattan, aprendendo a coordenar transporte e recursos em tempo real.

Aos 14 anos, seu software de despacho já era usado por empresas de táxi. Aos 18, largou a Universidade de Nova York a um semestre da formatura. Tinha ideias demais na cabeça para esperar pelo diploma.

E se as pessoas pudessem enviar atualizações curtas de status para amigos, como despachantes atualizam localização e atividades? E se fosse possível saber o que todos estavam fazendo na rede sem ligar ou escrever longos e-mails?

A plataforma que conquistou o mundo

Em 2000, Dorsey mudou-se para a Califórnia e fundou uma empresa focada em despachar mensageiros e serviços de emergência pela internet. O empreendimento fracassou. Nos cinco anos seguintes, ele trabalhou como programador freelancer, aprimorando suas ideias e esperando o momento certo.

Esse momento chegou em 2006, quando se juntou à Odeo, uma empresa de podcasts em dificuldades. Em uma sessão de brainstorming, Dorsey apresentou seu conceito de atualização de status. Ele descreveu como uma plataforma que combinava o aspecto de transmissão dos blogs com a instantaneidade da mensagem instantânea.

Dorsey, Noah Glass e Biz Stone criaram o primeiro protótipo do Twitter em duas semanas. O nome “twttr” seguia o formato de cinco caracteres dos códigos SMS, inspirado no Flickr.

Em 21 de março de 2006, às 21h50, Dorsey publicou o primeiro tweet: “just setting up my twttr.”

Esses 24 caracteres mudaram a forma como milhões de pessoas se comunicam.

O momento decisivo do Twitter veio no festival South by Southwest de 2007. Participantes usaram o serviço para coordenar encontros e compartilhar atualizações em tempo real. Durante o evento, o número de tweets diários saltou de 20 mil para 60 mil. A intuição de Dorsey sobre atualizações de status, desde a adolescência, estava correta.

Mas o sucesso trouxe desafios para os quais ele não estava preparado. Entre 2007 e 2008, como CEO, Dorsey teve dificuldades para lidar com as demandas operacionais do Twitter. O serviço caía frequentemente. Funcionários reclamavam de seu estilo de gestão. Havia relatos de que ele saía mais cedo para aulas de ioga e design de moda.

O conselho perdeu a paciência.

Outubro de 2008 chegou como um dia de julgamento. Eles o demitiram de sua própria criação. O cofundador Evan Williams assumiu. Dorsey manteve o título de presidente do conselho, mas todos sabiam a verdade. O jovem gênio que idealizou o Twitter foi considerado incapaz de administrá-lo.

A lição foi dolorosa, mas também esclarecedora. Dorsey sabia criar produtos amados, mas ainda não sabia construir uma organização escalável.

Ele não recuou, escolheu se reinventar.

Seu ex-chefe, Jim McKelvey, havia perdido recentemente uma venda de arte em vidro por não conseguir aceitar cartão de crédito. Milhões de pequenos empresários, como McKelvey, estavam frustrados pela falta de acesso a serviços de adquirência.

A solução deles foi um pequeno dispositivo quadrado, conectado à entrada de fone de ouvido do smartphone. Qualquer pessoa poderia aceitar pagamentos com cartão de crédito em qualquer lugar. O primeiro leitor Square custava apenas US$ 10, transformando qualquer celular em um sistema de ponto de venda.

O Square refletia a mesma filosofia do Twitter: remover barreiras e democratizar o acesso. Se o Twitter deu a todos uma plataforma de transmissão, o Square deu a cada empreendedor a capacidade de processar pagamentos antes restrita a grandes empresas.

A empresa foi lançada oficialmente em 2010.

Dessa vez, Dorsey aprendeu com o Twitter. Montou sistemas operacionais mais robustos, contratou gestores experientes e focou em crescimento sustentável, não apenas viralidade.

Em 2015, o Twitter, sob nova liderança, enfrentava dificuldades. O crescimento de usuários estagnou, as ações caíram. Concorrentes como Facebook e Instagram atraíam mais atenção.

O conselho pediu que Dorsey voltasse ao cargo de CEO, mas com uma condição inédita: ele deveria continuar como CEO do Square. Críticos questionaram se alguém poderia administrar efetivamente duas grandes empresas públicas ao mesmo tempo.

Ele mantinha escritórios em ambas as empresas, organizava sua agenda diária ao minuto e confiava nas equipes de liderança para definir a estratégia.

O arranjo funcionou. O Twitter se estabilizou, o Square continuou crescendo e abriu capital em novembro de 2015. Ambas as empresas se beneficiaram do olhar apurado de Dorsey para design e sua habilidade de buscar soluções simples para problemas complexos.

O CEO demitido aprendeu a ser um líder.

Construindo a moeda do futuro

Durante a reconstrução de sua carreira, Dorsey descobriu o bitcoin. Essa criptomoeda incorporava os princípios que ele aprendera em sistemas de despacho: descentralização, comunicação ponto a ponto, eliminação de intermediários.

“O bitcoin mudou tudo”, declarou em 2018. Se não estivesse gerenciando o Twitter e o Square, dedicaria seu tempo integralmente ao bitcoin.

Ele não se contentou com apoio verbal. Em 2020, o Square investiu US$ 50 milhões na compra de bitcoin, seguido por mais US$ 170 milhões. Por meio do Cash App do Square, ele permitiu que milhões de pessoas que nunca haviam tido criptomoedas tivessem acesso ao bitcoin.

Dorsey também fundou a Spiral, um departamento para financiar o desenvolvimento open source do bitcoin. Diferente da maioria dos projetos corporativos de cripto voltados ao lucro, a missão da Spiral é altruísta: melhorar a infraestrutura do bitcoin para todos.

Mas, em sua segunda passagem como CEO do Twitter, a plataforma enfrentava crescente censura. A eleição de 2016 revelou como potências estrangeiras usaram o Twitter para espalhar desinformação. Audiências no Congresso e boicotes de anunciantes tornaram-se rotina.

Após a eleição de 2020, o desafio atingiu o ápice. O Twitter começou a rotular tweets controversos e, após o tumulto no Capitólio em 6 de janeiro, suspendeu contas de alto perfil, incluindo a do presidente Trump.

Dorsey defendeu essas decisões, dizendo que eram necessárias, mas reconheceu seu impacto. “Acredito que foi a decisão certa para o Twitter”, escreveu sobre o banimento de Trump. “Mas também acho importante examinar o impacto mais amplo dessa ação no diálogo público global.”

Essa experiência reforçou sua convicção crescente: plataformas centralizadas detêm poder demais. Ele passou a financiar pesquisas sobre alternativas descentralizadas, incluindo o projeto Bluesky, apoiado pelo Twitter, para desenvolver um protocolo aberto de mídia social.

Em 29 de novembro de 2021, Dorsey renunciou ao cargo de CEO do Twitter pela segunda vez. Em sua carta de demissão, explicou: “Decidi deixar o Twitter porque acredito que a empresa está pronta para seguir em frente sem seu fundador.”

Diferente da primeira vez, sua saída foi voluntária e planejada. Preparou seu sucessor, o CTO Parag Agrawal, e acreditava que o Twitter precisava de uma liderança livre do legado da era dos fundadores.

Menos de um ano depois, Elon Musk comprou o Twitter por US$ 44 bilhões e começou a implementar sua própria visão. Dorsey manteve 2,4% das ações, mas quase não comentou publicamente as mudanças.

Após deixar o Twitter, Dorsey tornou-se um evangelista da descentralização. Doou 14 bitcoins para apoiar o Nostr, um protocolo de rede social descentralizada sem servidores centrais ou controle corporativo.

Na Block, ele intensificou os investimentos em projetos de bitcoin. A empresa desenvolveu um chip de mineração de bitcoin de 3 nanômetros e lançou o Bitkey, uma carteira de autocustódia projetada para o público mainstream. O hardware de mineração da Block tem design modular e vida útil prevista de dez anos, em vez do padrão do setor de 3 a 5 anos.

Hoje, Dorsey está na interseção entre tecnologia e ideologia. Com a Block, constrói infraestrutura financeira para um mundo pós-bancos tradicionais. Com o ativismo em bitcoin e o apoio ao Nostr, impulsiona alternativas às plataformas de internet existentes.

Em tudo isso, está sua crença de que indivíduos devem controlar sua vida financeira e digital. O bitcoin elimina a dependência de bancos e governos. O Nostr elimina a dependência de empresas de plataforma. As carteiras de autocustódia eliminam a dependência de exchanges.

Tudo isso expressa uma filosofia política que valoriza a soberania individual em vez do controle institucional.

Dorsey permanece focado no futuro, como quando sonhava com mapas urbanos em tempo real. Seus projetos atuais refletem sua convicção de que a infraestrutura mais importante da internet ainda está sendo construída.

O scanner policial que o inspirou ainda influencia sua visão sobre comunicação. As melhores informações são concisas, claras e acionáveis.

Elas dizem onde alguém está e para onde está indo.

Todo o resto é ruído.

As conquistas de Dorsey vão além do Twitter ou da Block. Ele mostrou que sistemas complexos podem ser simplificados sem perder funcionalidade.

O scanner ainda crepita. Ele ainda está ouvindo. Ele ainda está construindo o mapa de tudo o que acontece em tempo real.